Apoena, Bruna Moura, Carlos Kroeff Shell e DJ Bernardo Pinheiro trouxeram alguns locais onde você pode garimpar pelo Brasil.
Por Marllon Eduardo Gauche.
Após falarmos um pouco sobre a cultura do vinil aqui e convidarmos grandes personagens brasileiros como Kaká Franco, Gui Scott (Gop Tun), Pino Henrique Pedra e Stanccione para compartilhar algumas dicas preciosas para garimpar vinil e locais onde encontrar bons discos, no capítulo de hoje vamos averiguar outras regiões do Brasil, chegando até Porto Alegre, Campo Grande, Cuiabá, Belo Horizonte e Belém.
Começamos no extremo Sul do Brasil. Trocamos uma ideia com Henrique Casanova, o Apoena, um digger nato que encabeça a Allnite Music, gravadora que foge dos padrões e segue lançando em vinil. Ele por muito tempo morou em Porto Alegre, hoje é baseado em Berlim. Ele continua comprado nas habituais lojas digitais como Juno Records, Decks Records e Deejay.de, porém, afirma que com a grande desvalorização do real nos últimos anos, ficou mais difícil manter a prática: “Não há garantia de que o pacote chegue, demora de 2 a 6 meses e às vezes não chega mesmo”, afirma.
Em Porto Alegre, cidade que morou a vida toda e ainda volta com alguma frequência, ele recomenda a Bob Records. “Fica na Andrade Neves, número 100, no centro histórico. É uma loja da cultura DJ com discos de música eletrônica, porém quase que exclusivamente usados, já que é muito difícil comercialmente pra uma loja brasileira estar inserida na distribuição internacional da música eletrônica underground em vinil. Para estilos diversos, o viaduto da avenida Borges de Medeiros tem lojas de vinil usados”, adiciona.
Apoena vem de um tempo onde não havia nenhuma outra mídia de discotecagem além do vinil, então, a pesquisa e o garimpo até hoje fazem parte da sua rotina, apesar da maior facilidade de pesquisa. “O problema é realmente o Brasil não ter condições econômicas para estar inserido nessa indústria. Apenas um pequeno punhado de DJs privilegiados têm acesso financeiro a discos novos. O que normalmente ocorre é que os DJs fazem pedidos apenas eventualmente e tocam mais som digital. Claro que ainda tem uns poucos heróis vinyl only no Brasil, mas eles estão cada vez mais esmagados pela crescente crise econômica brasileira”, relata a partir de sua visão.
Durante a conversa, ele continua: “Quando surgiram as CDJs, os DJs migraram em massa para o digital, mas essa opção não servia pra mim porque a materialidade dos discos é importante demais no processo de ser DJ e produtor. O manuseio dos toca-discos e a materialidade dos discos é o mais importante elemento de ser um DJ, o disco físico é o centro de todos os sonhos que tive e tenho como produtor. Não é que eles tragam algo de especial, eles são a base, o básico do meu mundo. O digital é uma coisa nova que facilita a viabilidade financeira da atividade e eu também aproveito disso. Na verdade, a maioria dos meus sets nos últimos anos faço com um tocadisco de um lado e um CDJ do outro. Tenho comprado cada vez menos discos e a pandemia foi um duríssimo golpe pra essa já agonizante indústria”, conta, segundo ele, hoje os preços sobem gradualmente num ritmo estável, desde os últimos 15 anos e hoje os EPs estão por volta dos 10 euros na Europa, enquanto álbuns 20, por serem duplos.
Subindo para Santa Catarina, esbarramos virtualmente com Bruna Moura, uma DJ experiente que já toca há quase 20 anos, com histórico de ter sido residente na D-Edge de Campo Grande. Hoje, ela compra seus discos novos em lojas digitais, alguns usados no Discogs, mas também teve boas experiências em lojas físicas, não em SC, mas em sebos no centro-oeste do Brasil. “A Hamurabi em Campo Grande e a Tchá por Discos em Cuiabá. Como a maioria deles não são especializados em música eletrônica, isso me tomou bastante tempo e paciência para encontrar discos aptos, mas eu amo essa busca e vale muito a pena pelo valor que esse tipo de loja pratica”.
No geral, a maior dificuldade de Bruna é mesmo pagar os discos, especialmente os novos, já que não existe uma distribuição interna livre de impostos, mas ela sabe que essa discussão sobre taxas é antiga. “Lembro-me de uma festa em 2003 no D-EDGE onde todos usavam bottons no peito escrito “disco é cultura” em apoio ao projeto de lei que institui a isenção de impostos federais e contribuições sociais para importação de discos de vinil, arquivado até hoje como tantos outros que poderiam desenvolver as artes e a cultura no país”, ainda assim, para ela não tem sensação melhor do que tocar uma bomba e dizer ‘Paguei 10zão nesse disco!’”, brinca.
No início da pandemia, quando soube que seria decretado o lockdown na cidade onde viveu a maior parte da vida, não teve dúvidas e correu para uma loja de discos. “Imaginei que passaria tempo suficiente longe deles e que os meus vinis seriam a melhor companhia. Voltei pra casa com cerca de 16 novas bolachas, sozinha, saudável e isolada. O garimpo tem essa vantagem e encontrar um artigo que vale ouro na sua mão e que já carrega uma história ao ter girado muito por aí, é algo imensurável, mas que pode ser sentido a cada chiadinho que toca”, finaliza.
Dando um pulo em Minas Gerais, mais precisamente em Belo Horizonte, também podemos encontrar lugares bem descolados para um bom garimpo, como conta Carlos Kroeff Shell, um DJ que discoteca desde metade dos anos 80, já tendo assumido residências de mais de 10 clubs em BH, como Hippodromo, Escape (que transformou a cena da capital), Club:e e Café De lá Musique; além disso, ainda mantém uma amizade no mínimo invejável, com ninguém menos que Anderson Noise.
Segundo ele, é possível passar na Usados com Arte na galeria do edifício Maletta e encontrar uma variedade enorme, um pouco de tudo. Além desta, ele cita a Música Rara, que fica na Rua São Paulo, 1307, e que possui até mesmo um toca-discos para você ouvir o que desejar.
Seguindo, ele comenta mais algumas lojas: “Temos a Discomania, que fica na rua Paraíba 1378, que é pequenina, mas você pode encontrar itens surpreendentes! Gosto também da Discoteca Pública, que fica na Rua Hermilo Alves em Santa Tereza, ótimo lugar para descolar discos novos, tendências e aquele single raro pra completar seu acervo! Falando em acerto, não dá pra esquecer o Acervo Discos, que fica na Rua Pernambuco 1000, loja 15, é outro paraíso”, sua preferência é sempre pegar os discos em mãos, já que depender do transporte é bem difícil, demorado e precário, com grandes chances do disco chegar empenado — ou até mesmo não chegar.
Carlos acabou ficando um pouco distante das lojas com a pandemia, mas no primeiro relaxamento do lockdown, tratou de dar um pulo nas lojas citadas em busca de algumas preciosidades. “Conseguir um single/álbum/7’’ desejado é algo muito prazeroso, quase um êxtase de felicidade! Sensação melhor ainda é a resposta do público quando este disco é tocado, rs”. Ele hoje tem uma coleção que ultrapassa impressionantes 17.000 títulos!
Quem também trocou algumas figurinhas com a gente foi o Bernardo Pinheiro, que ingressou na música eletrônica em 2001, mas traz o gosto pelo gênero desde criança, influenciado pelos pais. Como um bom DJ, não nega uma boa garimpagem e afirma que sempre achou muito bons discos em Belém, cidade onde reside, hoje colecionando cerca de 700 bolachas entre LPs e compactos, apesar de nunca ter contado.
“Tem muitos discos que vêm de outros países, chega primeiro aqui e depois vai para outros estados. Aqui em Belém quase não temos lojas convencionais, o garimpo são em camelôs (Banca do Max Alvin e outros) e pequenos sebos. Você tem que realmente amar esse rolê. A paciência, a curiosidade e a força de vontade são bem importantes para seguir bem no garimpo. Mas as vezes eu digo que o que é bem difícil pra mim é: Qual colocar em prioridade: Contas x Discos?” brinca o artista, que adora garimpar pela conexão que faz com outras culturas e ritmos do mundo inteiro, inclusive do Brasil, que é onde mais compra e pesquisa. Pelo Brasil, os preços também estão bem altos, mas ele dá a dica: “Tenha boas fontes com preços justos, um dos grandes baratos do diggin é justamente esse, fazer bons negócios”.