A gênese da música eletrônica
Música eletrônica define-se a toda música que é criada ou modificada através do uso de equipamentos e instrumentos eletrônicos, como gravadores digitais, computadores, softwares e sintetizadores. Apesar da música eletrônica ser considerada um fenômeno eminentemente contemporâneo, historiadores remontam os seus primeiros passos ao século XVIII. O Denis D’or, ou “Golden Dionysis”, considerado o primeiro instrumento musical eletrônico já desenvolvido, foi construído pelo teólogo tcheco e pioneiro da pesquisa elétrica Václav Prokop Diviš (1698-1765). Descrito como um “orchestrion”, era um teclado capaz de imitar os sons de instrumentos de sopro e de cordas, por meio de vibrações à ação de eletroímãs. O Denis D’or tinha 5 metros de comprimento, 3 metros de largura e 790 cordas metálicas. Seu mecanismo engenhoso foi criado com exatidão matemática e meticulosidade. Para reproduzir sons de diversos instrumentos, Diviš eletrificou temporariamente as cordas para que, de algum modo, o aparelho purificasse e melhorasse a qualidade do som emitido. A ausência de documentação histórica detalhada torna incerto esse pioneirismo, pois há relatórios contemporâneos conflitantes.
Entre o final do século 19 e o início do século 20, Édouard-Léon Scott de Martinville inventou um dispositivo considerado precursor do fonógrafo. O fonoautógrafo foi o primeiro aparato capaz de registrar sons em cilindros de papel, madeira ou vidro com uma capa de fuligem, sem no entanto dispor da capacidade de reproduzi-los.
Em 2008 uma equipe de historiadores e técnicos norte-americanos conseguiram extrair o som de uma gravação de 1860 da canção folclórica francesa Au clair de la lune, encontrada no mesmo ano num arquivo em Paris. A canção é considerada assim a gravação mais antiga do mundo.
Link: Primeira gravação sonora – Edouard-Leon Scott de Martinville
Duas décadas depois, em 1878, Thomas A. Edison patenteou o fonógrafo, considerado o primeiro aparelho capaz de gravar e reproduzir sons. Embora tenha sido desenvolvido por Edison como um equipamento para o registro da voz falada, o dispositivo (que consistia em um cilindro com sulcos, coberto por uma folha de estanho) foi rapidamente adotado como meio para registro musical, abrindo possibilidades até então não existentes no mundo para o registro da música pelo mundo.
Em 1897, com o crescente desejo de compositores utilizarem as tecnologias emergentes para fins musicais, Thaddeus Cahill, inventou um instrumento musical eletro-mecânico denominado dinamofone, ou telarmónio. A máquina foi desenvolvida para utilização em hotéis, restaurantes, cinema e mesmo em domicílio. Como o meio a transmissão da música se dava por meio de linha telefônica, o uso do aparelho para falar sofria sua interferência. Apesar disso, o dinamofone era capaz de sintetizar sons com os timbres desejados por meio de sobreposições de parciais harmônicos, associados a indutores eletromagnéticos e, posteriormente, sua tecnologia mostrou-se útil para o desenvolvimento do órgão Hammond – um instrumento eletromecânico construído em 1934 e usado tanto em igrejas como uma alternativa mais acessível para o órgão de tubos. Isso facilitou o acesso aos músicos de jazz e de blues, chegando ao rock e ao reggae nas décadas de 1960 e 1970.
O movimento futurista e o theremin
O movimento futurista, iniciado na Itália pelo poeta Filippo Marinetti, rapidamente expandiu-se pela Europa, na defesa da liberdade da expressão artística, que se revelou na música pela utilização de técnicas de produção sonora não convencionais até então, dando-se valor ao que é considerado “barulho”. Os adeptos do movimento rejeitavam o moralismo e o passado, e suas obras baseavam-se fortemente na velocidade e nos desenvolvimentos tecnológicos do final do século XIX.
Na década de 1910, Luigi Russolo, que fazia parte do movimento futurista italiano, escreve L’arte di rumori (A Arte dos Ruídos), composição musical a partir de fontes sonoras do meio ambiente, cujo texto concentra-se na sonoridade das máquinas, buscando ampla variedade de ruídos.
Russolo empreendeu, juntamente com o percussionista Ugo Piatti, a construção de alguns instrumentos, aos quais denominou Intonarumori. Havia 27 variedades de Intonarumoris, que funcionavam como geradores acústicos de ruído que permitiam criar e controlar a dinâmica e a frequência de várias formas. Russolo construiu esses instrumentos para tocar a música descrita em seu manifesto Art of Noises.
Esse instrumento, desenvolvido pelo físico Friedrich Trawtein, que contou com a consultoria do compositor Paul Hindemith (ligado aos laboratórios da Hochule für Musik, em Berlim), era controlado por um sistema de molas em contato com uma barra metálica, o qual fechava um circuito e produzia uma nota.
Link: Luigi Russolo: Serenata per intonarumori e strumenti
Após o final da Primeira Guerra Mundial, houve avanços no propósito de tornar os equipamentos mais econômicos e compactos. Uma das invenções nesse sentido foi o teremim, originalmente criado a partir de pesquisas em torno de sensores de proximidade, financiadas pelo governo russo e criado por um jovem físico russo chamado Lev Sergeevich Termen (conhecido no ocidente como Léon Theremin), em outubro de 1920.
Inventado e patenteado em 1928, o teremim era composto de dois detectores de movimento que controlavam o volume e a altura do som a partir do movimento livre das mãos do executante e foi um dos primeiros instrumentos musicais completamente eletrônicos, controlado sem qualquer contato físico pelo músico. Bastava-se o músico se posicionar de frente ao theremin e mover uma de suas mãos para controlar a oscilação de frequência (pitch), e a outra para a amplitude (volume do som).
Link: Leon Theremin tocando seu próprio instrumento
Maurice Martenot, violoncelista e inventor francês nascido em 1898 foi responsável pela criação de um dos instrumentos eletrônicos mais famosos das primeiras décadas do século 20, o Ondes Martenot. Inicialmente era muito semelhante ao theremin, que foi inventado no mesmo ano, 1928. Seu funcionamento baseia-se no controle das frequências de um oscilador de voltagem, podendo ser tocado usando o teclado ou o anel deslizante preso a um cordão metálico.
O Ondas Martenot foi desenvolvido para reproduzir os sons microtonais e, tal qual o theremin, é um instrumento monofônico (executa apenas uma nota por vez). Embora ambos os instrumentos tenham princípios de construção parecidos, o Ondas Martenot obteve sucesso muito maior, pois era beneficiado pela facilidade de execução e sua semelhança com instrumentos tradicionais como o piano e o teclado.
Link: Music From The Ether (1934) O Ondas Martenot chegou a ser incorporado à orquestra na França e um grande número de compositores de repertório erudito o incluíram em suas composições (cerca de 1.500 obras, segundo o ondista Thomas Bloch)
Link: Edgar Varèse, um dos grandes inovadores da música do século XX, emprega o instrumento em sua obra Ecuatorial. Link: Darius Milhaud o utiliza em uma formação mais intimista, ao lado do piano.
Link: Giacinto Scelsi o emprega em uma de suas obras máximas, “Uaxuctum”.
Maurice Jarre usa o ondes martenot na faixa “Night and Stars” para a trilha sonora de “Lawrence da Arábia”.
Link: Oliver Messinan – Turangalîla-Symphonie, I