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Com o avanço da vacinação no Brasil, enfim, começamos a enxergar uma luz no fim do túnel para este momento tenebroso que vem nos assolando desde março de 2020. Aos poucos, as portas que estavam fechadas começam a reabrir, e já é possível vislumbrar o momento em que o mesmo ocorrerá com as festas — as primeiras a cerrarem suas atividades e as últimas a poderem retornar —, sejam elas open air (mais lógico e seguro enquanto o vírus ainda for uma ameaça), ou mesmo nos clubes e pistas de dança entre quatro paredes.
É claro que ainda será necessário aguardar que todos os envolvidos estejam com as duas doses da vacina e, ainda assim, manter certos cuidados e restrições por um tempo, mas esta não deixa de ser uma ótima notícia não apenas para o público e produtores de eventos, como também para aqueles tantos que sonhavam em fazer o seu rolê e tiveram que adiar os planos por causa da pandemia.
Assim, aproveitamos a oportunidade para, com a ajuda de alguns profissionais do ramo, mostrar aos nossos leitores alguns dos principais tópicos que é preciso ter em mente na hora de colocar a mão na massa.
Formação de coletivos independentes
Grande parte dos rolês feitos no país nos últimos tempos diz respeito a coletivos independentes — grupos de amigos (normalmente já com algum envolvimento profissional na área) que se juntam para organizar festas (em clubes, fábricas desativadas, galpões, museus ou mesmo nas ruas) de uma maneira que transmita, dentro de determinado nicho musical e comportamental, seus valores e sua ética.
Entretanto, por mais que a imagem de uma estrutura meio anárquica e desierarquizada venha ao imaginário comum quando falamos nesses núcleos, se não houver metodologia, curadoria e um know-how profissional, dificilmente um projeto terá vida longa.
“Ao criarmos este núcleo, tivemos o cuidado em, de forma prévia, estabelecer uma estratégia inicial, unindo um conceito, sonoridade e visual que fossem coerentes e fizessem sentido, para que ao encarar o mercado chamasse a atenção do público desejado”, relata o duo Tegron, cocriadores da label catarinense de techno Phobia Project ao lado da DJ Emmy Betiol.
“Devido ao alto número de núcleos independentes muito bem estruturados, para nos destacarmos em seu meio é necessária uma proposta extremamente diferenciada e ao mesmo tempo inovadora. O Phobia Project é um núcleo independente que, além de abraçar a diversidade, tem como propósito a imersão artística em diferentes meios, sejam eles culturais, visuais, sonoros e sensitivos. A junção de características singulares de cada membro dessa equipe faz com que seu produto final seja único”, explicam Jorge e Natan, que formam a dupla.
Para chegar a resultados consistentes e obter sucesso, é preciso definir uma estrutura organizacional funcional e contar com o comprometimento de todos os integrantes. Logo, é indispensável que todos falem a mesma língua, tenham os mesmos objetivos e metas e estejam muito bem alinhados em todos os aspectos.
“É importante que se saiba que o tempo é curto e [produzir eventos] custa caro. Desta forma, dividir as tarefas entre todos os membros do grupo, levando em consideração o grau de aptidões de cada um, é algo a ser extremamente respeitado, para que cada engrenagem funcione da forma e no tempo certos”, continua o Tegron.
“Por ser um núcleo independente, é preciso fazer muito com pouco. Sendo assim, a busca por alternativas advindas de parcerias com demais núcleos ou artistas é algo que faz parte do nosso dia a dia. É indispensável que todos os membros do time se dediquem de forma igual, para que os resultados sejam justos”, pontua.
Caixa, fontes de renda e patrocínio
Assim como em qualquer empresa, o caixa gerado a partir dos eventos é essencial para manter a roda girando. Você sempre precisa separar uma parte dos lucros para reinvestir no seu negócio.
O pessoal do Phobia Project, por exemplo, teve a visão de criar uma marca de moda chamada Phobia Skin, destinada “ao público techno clubber”, como eles dizem, que manteve a roda girando no período sem eventos — e agora, eles têm a possibilidade de reinvestir esses lucros no retorno das festas.
A realidade da pandemia, porém, foi muito cruel, e a maioria dos produtores independentes não conseguiu contornar a ausência de eventos para seguir alimentando seus cofres. Muitos que ainda tinham alguma gordurinha, a queimaram com investimentos para expandir a marca em outras frentes, mas que ainda não deram retorno.
Nesses casos, conseguir patrocínios seria a alternativa mais viável para conseguir voltar a produzir eventos com a mesma qualidade de antes.
“Agora, mais do que nunca, é muito importante captar patrocinadores para a retomada dos eventos. Para que isso aconteça, é imprescindível ter um projeto que fale sobre seu evento/marca com informações, história, números, dados sobre o público, etc.”, reflete Guss, da Agência Laud — label responsável por famosas festas do underground de São Paulo, como Ressonancia, Feira, Pressure e Leeds.
“Quanto mais infos o projeto contiver, melhor, mas se for muito carregado de texto, pode não chamar tanto a atenção. Tem que ser algo com design bacana e com conteúdo de qualidade. Em nossa agência, nunca nos apoiamos nisso para realizar os eventos. Caso não tenhamos patrocínios, buscamos viabilizá-los de qualquer forma. A parte do investimento antecipado é feita com recursos próprios, ou procuramos crédito em bancos”, continua.
Emissão de alvará
Como não estamos mais na Europa dos anos 1990, em que música eletrônica era uma novidade temida e combatida pelo establishment — e, portanto, ser ilegal era a única alternativa —, é fundamental que seus eventos estejam regularizados, até mesmo para garantir a segurança de todos e não causar danos a terceiros. Para isso, você vai precisar de um alvará da sua prefeitura.
“Sem alvará não tem evento, e a prefeitura de São Paulo, que é onde atuamos, sempre está de olho nisso. Diversos eventos são embargados caso não o possuam. Alguns locais já têm alvará próprio, mas na maioria o produtor tem que correr atrás disso”, explica Guss. Que prossegue:
“O ideal é ir ao setor responsável na prefeitura e levantar todos os requerimentos para emissão de alvará. Aqui em SP, alguns desses documentos são: contrato de locação do espaço, contrato de ambulância, planta do local com saídas de emergência, quantidade de banheiros, área do evento, ART assinada por engenheiros atestando gerador, palco, entre outros.
“Após a entrega dos documentos, são emitidas guias com impostos para pagamento à prefeitura, e estando tudo ok, o alvará é emitido às vésperas do evento. Alguns locais também exigem AVCB (alto de vistoria do corpo de bombeiros), que irá atestar, após a montagem do evento, se está tudo ok para ele acontecer. Existem empresas especializadas nesse trabalho de emissão de alvará”.
Locação de espaços
Na primeira metade da década passada, São Paulo viveu uma verdadeira efervescência de festas de rua, que ressignificaram a forma com que as pessoas viviam a capital paulista. O sucesso fez com que várias outras cidades do país apostassem na fórmula, mas ela tinha um “pequeno” problema: não era lucrativa.
Assim, a febre se esvaziou, e a alternativa encontrada pelos núcleos foi encontrar ocupações diferenciadas — muitas ao ar livre — em espaços privados, voltando a cobrar ingresso. Entretanto, encontrar o lugar ideal pode ser desafiador.
“Em SP, cada vez temos menos espaços para locação, principalmente a céu aberto. Isso se deve à grande quantidade de prédios que a cada dia sobem na cidade. Com isso, vemos espaços tradicionais, como o Nos Trilhos, deixando de abrigar grandes eventos”, segue Guss.
“O contato com os espaços pode ser feito por e-mail, telefone… Isso depende do meio que eles disponibilizam em suas redes sociais ou site. Depois, é sempre agendada uma visita técnica para conhecê-lo, ver a infraestrutura que ele já possui e o que ele demanda. Alguns já possuem uma infra básica, como banheiros. Outros exigem que se trabalhe com empresas de segurança. Tudo isso varia.”
Vacinação e testes
Está aí a nova palavrinha mágica que teremos na ponta da língua por mais um bom tempo — e sem espaço pros negacionistas. Além do tradicional RG, os rolês na maior parte do Brasil vão exigir do público um comprovante de vacinação. A dúvida que ainda fica é: será que vai ser necessário também apresentar testes negativos de covid — que, obviamente, aumentam a segurança, mas representam custos extra significativos — para frequentar os ambientes?
“Temos tido alguns bons exemplos de eventos teste na gringa, alguns deles bem grandes, como o festival Exit na Sérvia e o próprio Lollapalooza nos Estados Unidos, que teve resultados bem promissores. Sabemos que as coisas no Brasil se distanciam um pouco do workflow gringo, mas acredito que a temática não nos permite assumir um risco por descuido ou por focar meramente em lucros”, teoriza Maria Angélica Parmeggiani, produtora na XXXXXX.
“É hora de agir de forma consciente e dar o bom exemplo, mas sabemos que infelizmente não será cem por cento assim. A retomada para as pistas deve começar gradativamente, e o passaporte da vacinação ou um PCR recente deveria ser uma exigência nos grandes eventos. Tudo dependerá também das determinações feitas pelos governantes, bem como do monitoramento do cumprimento das regras e da consciência dos envolvidos”, destaca.
Preço dos ingressos
Como se o drama sanitário não fosse estrago o suficiente, o Brasil ainda passa por uma grave crise econômica, com inflação galopante, e aumento da tarifa de energia, por conta da maior crise hídrica dos últimos 90 anos. Logo, além de geral estar com as contas mais apertadas, o preço dos ingressos, seguramente, será mais alto do que era até o começo de 2020.
“Se o preço de absolutamente tudo subiu no Brasil, com certeza os valores de ingressos também serão mais altos. Temos praticamente dois anos de congelamento e ainda uma inflação beirando o descontrole. Além disso, por trás do valor do ticket existe uma conta que contempla toda a planilha de eventos + lucro, e não tem absolutamente nada de errado nisso. Já foi possível sentir esses aumentos em eventos para 2022, como a Timewarp e o Rock In Rio”, argumenta Maria Angélica.
Fornecedores e locação de equipamentos
Outro item que nunca pode ficar de fora das planilhas dos produtores diz respeito à locação de equipamentos — e nada como ter seus fornecedores de confiança, até mesmo na hora de negociar um preço mais camarada.
“Existe uma base de organização que, se bem seguida, garantirá que seu evento flua bem, ainda que imprevistos façam parte do pack. Ter um banco de fornecedores de confiança, engajados e honestos, é fundamental — bem como fazer pelo menos três orçamentos, para entender os valores do mercado e ter poder de barganha (não vale poder gastar uma fortuna em um headliner, mas ficar barateando o cachê de quem ganha pouco, hein?)”, segue Parmeggiani.
“Quando fui produtora do HUB RJ, vi muitos produtores passando aperto com fornecedores por falta de comunicação, por baratear demais os custos ou por subestimar itens primordiais, como qualidade do som — especialmente quando estamos falando de sonoridades que demandam de um grave forte, como a música eletrônica.
“Fechamentos no boca a boca ou por Whats podem ser delicados. O ideal é fazer tudo no formato bem tradicional: reunião de alinhamentos, visitas técnicas, testes, e-mail final revisando todos os pontos e, óbvio, um contrato claro e objetivo. Para quem fornece itens para eventos, a contrapartida vale também. Outro ponto que é interessante negociar com o local do evento, se possível, é uma montagem antecipada para evitar imprevistos muito perto da véspera”, conclui.
Contratação de DJs e suas agências
Passada toda a parte mais técnica e burocrática, chegamos ao coração dos eventos: a música e seus comandantes — isto é, os DJs. Se você quiser trazer nomes que irão conferir peso aos lineups, deve procurar artistas ao menos relativamente consolidados no cenário nacional, e esses nomes dificilmente não serão representados por agências.
“A maioria dos DJs tem em suas redes sociais o contato da agência. Geralmente, o contato é rápido e amigável, via e-mail, DM ou mesmo WhatsApp”, garante Fernando Moreno, da SmartBiz — conceituada agência brasileira com mais de 20 anos de estrada.
“De modo geral, os artistas têm seus representantes de forma exclusiva. O papel de uma agência é facilitar a contratação e trazer segurança na negociação para todos os envolvidos. Desenvolver uma boa relação com o cliente é parte fundamental da missão de uma agência, e a recíproca também é verdadeira. Construindo parcerias, todos obtêm benefícios”, continua.
Já Pri Prestes, da curitibana Alliance Artists, nos ajuda a compreender melhor a importância de se lidar com contratações através dos agentes dos DJs, em comparação ao trato direto com o artista:
“A principal diferença na contratação através de uma agência é o profissionalismo no atendimento, e a facilidade/velocidade em receber mais opções que possam caber no perfil do evento. A negociação será clara tanto em relação aos valores, quanto à forma de pagamento, exigências técnicas e as despesas extras que deverão ser cobertas pelo contratante.
“Haverá uma equipe de profissionais disponível para resolver situações contratuais, fiscais e logísticas no momento em que elas vierem à tona. Ao desenvolver um bom relacionamento com uma agência, o contratante passa a ser informado sobre oportunidades diversas: desde possíveis tours internacionais à possibilidade de fazer shows casados com parceiros em cidades próximas (que podem diminuir consideravelmente os custos com logística), lançar produtos novos em sua praça, etc.”.